terça-feira, 1 de março de 2011

Coluna 57 - publicada no jornal Correio Agudense - Edição de 2MAR2011

Sabedoria não é só pensar bem, não é só ter conhecimento e entender as coisas. Sabedoria é agir bem, resolvendo os problemas de forma eficaz, mas de forma ética, decente. (Moacyr Scliar)

MOACYR SCLIAR morreu domingo, dia 27 de fevereiro. Esta sentença dita que doravante não mais teremos sua verve literária ativa, eu diria. Mas ele viverá na obra que fica e que é tão extraordinária ao ponto de ser um dos imortais da Academia Brasileira de Letras – panteão de Machado de Assis, Olavo Bilac e tantos (está bem, o Sarney de Marimbondos de Fogo também tem uma cadeira lá, mas isto é outra história). Fará falta para a cultura. Farão falta seus artigos de leitura leve e inspiradora, sua forma de escrever às vezes tão lugar comum que parecia dois vizinhos conversando recostados ao muro, de cuia na mão.

**
Quero que o Correio Agudense tenha um legado de Moacyr Scliar nesta edição (se acaso houver mais citações na edição, escusem-me a soberba). Entendo que a produção literária e intelectual de tão sábio homem deve ser referida, quando, muito contra a sua vontade, este desaparece. Com este propósito, reproduzo parte do artigo "Quando se trata de salvar a pele, o melhor mesmo é a astúcia", publicado em Zero Hora, em agosto do ano passado. É genialidade explícita, que merecemos ler e sobre a qual podemos refletir. (…)
Ao longo do tempo, as pessoas sempre recorreram aos livros e aos autores famosos com o objetivo de se tornarem mais sábias. Leitura, esse era o raciocínio, pode ser uma coisa difícil, mas o esforço valeria a pena se, como resultado, a pessoa se tornasse mais sábia. Cabe, contudo, a pergunta: será que este é um sonho comum à humanidade? Será que todos nós queremos a sabedoria? Será que no Brasil, em particular, é este um ideal?
Tenho minhas dúvidas. Sabedoria é uma condição que resulta de uma profunda compreensão do mundo e da condição humana. Nós não nascemos sábios, não nascemos com esta compreensão; temos de adquiri-la através da vida, e isso se faz mediante conhecimento (daí a necessidade da leitura) mas também graças ao "insight", o "conhece-te a ti mesmo", de Sócrates, mediante o qual aprendemos a não nos deixarmos iludir por nossa arrogância, a reconhecer nossas limitações e defeitos, a pensar e a agir de forma serena e desapaixonada. Agir, sim; sabedoria não é só pensar bem, não é só ter conhecimento e entender as coisas. Sabedoria é agir bem, resolvendo os problemas de forma eficaz, mas de forma ética, decente.

Um componente importante da sabedoria é a inteligência, a palavra que vem do latim e quer dizer entendimento. A pessoa inteligente entende, mediante o raciocínio e a experiência, as coisas, mesmo complexas. É uma habilidade que, diferente da sabedoria, pode ser avaliada, e até quantificada; daí os testes de inteligência, incluindo o famoso QI, quociente de inteligência, aliás objeto de controvérsia nos últimos anos.

Ser inteligente não é ser sábio: na sabedoria o furo está mais acima. A pessoa inteligente nem sempre age bem; a história da humanidade está cheia de vigaristas que aplicavam e aplicam golpes inteligentíssimos (os hackers, por exemplo). No fim essas pessoas se dão mal, exatamente porque lhes falta esse conhecimento maior que é a sabedoria.

Isso é ainda mais verdadeiro no caso da astúcia, que não é sabedoria nem inteligência. É uma coisa menos sofisticada, mais primitiva, daí porque, nas fábulas, é simbolizada por um animal, a raposa. A raposa não é sábia nem inteligente; a raposa é astuta. Astúcia é a habilidade de enganar; astúcia é manha, esperteza. (...) Astucioso é o cara que procura no outro bolso; é o cara que sabe como roubar. Isso explica por que a astúcia é ainda tão valorizada no Brasil: porque representa uma maneira fácil de conquistar as coisas, de subir na vida. Se vocês perguntarem a alguém como se ganha eleições, se com sabedoria, com inteligência ou com astúcia, a pessoa certamente optará por esta última alternativa, atrás da qual estão séculos de safadeza e de corrupção. Mas é que as duras condições da vida em nosso país, a pobreza, a desigualdade, deixaram esta lição: para sobreviver é preciso ser astuto, esperto. É muito glamouroso ser inteligente, é digna de admiração a pessoa sábia; mas, quando se trata de salvar a pele, o melhor mesmo é a astúcia.

Compreensível. Mas não satisfatório. Nós só chegamos à verdadeira maturidade quando a astúcia reconhece a importância da inteligência e quando esta é um recurso para atingir a sabedoria. Um Brasil sábio deveria ser o nosso objetivo maior.”


********

Ao final desta coluna faço uma confissão pública: sinto inveja do povo de Paraíso do Sul que teve o prazer de conviver com Moacyr Scliar quando o pessoal da cultura de lá teve respeito pela literatura e convidou-o para ser patrono de uma de suas Feiras do Livro. Parabéns! Vocês, paraisenses, poderão dizer: Scliar esteve aqui! Já aqui no Torrão...

*********

Paz e Bem.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

CARPE DIEM!!!